terça-feira, 27 de abril de 2010

O cachorro e o gato

É impressionante. E triste. A constatação não é de hoje, mas minha profissão não existe mais. No lugar onde trabalho, chamam de redação, mas não é pra tanto. O que vemos é um salão imenso com computadores de penúltima geração ( a última parece sempre inalcançável), jovens promissores mas crus, veteranos realizados mas tristes: pessoas distantes mas próximas. O jornalismo morreu e choramos num velório diário mágoas fabricadas. A informação hoje é individualista mas é pública, quer dizer, todos vivem enfurnados em suas mesas, falando baixo com a mão tapando a boca, afundados em cadeiras baixas, olhando para os lados, vigiando quem ouve, vigiando quem fala: vigiando quem vigia. Ser jornalista, hoje, perdeu a graça. Temos uma imprensa alinhada com o estado, o papel do impresso é cobrar, o da televisão é assuntar, o do rádio é informar. Tudo bem, nenhuma novidade por aí, mas a internet é a mistura da trinca. Ponto pro virtual. E ponto também para os jornalistas virtuais, os seguradores de microfone, os vitrinistas de reportagem. Tudo é plástico, envernizado, conveniente. Os jornalistas recém-formados assumiram outra função: são assessores de imprensa da linha editorial da empresa. São pagos para executar tarefas – e não elaborá-las. O jovem é estimulado a atingir metas (isso, estamos falando de jornalismo!) e remunerado em folgas. Não é orientado a por idéias em prática, perde a lição do erro. É treinado, sob brados inflamados de chefes deslumbrados. Poder, esse tesouro da solidão.



Admito, evidentemente, que a tecnologia é a redação do futuro. Quem é cidadão é repórter. Basta ter o patrocínio social e capital, ter a perspicácia de entender que a notícia é um bem público: um bem durável. As pessoas são janelas, notícias são paisagens: são vistas. É claro que informar, agora, é mais fácil, mais prático. Mas a desinformação e a manipulação dos fatos, agora, também, comprometem a credibilidade. Tornou-se muito mais rápido informar, mas desinformar será sempre lento. Os patrões, ao perceberem isso, amarraram, à rédea curta, todos os profissionais recém-saídos dos fornos universitários. Temendo que no jovem estejam – ou que ainda utilizem – as muletas da informação, adestram o novo “jornalista” com teorias práticas e com historinhas de um passado (inalcançável também), para paralisar e imobilizar ideias novas de quem sonhou praticar o ofício.



Portanto, companheiros, o profissional que ingressou no mercado se vê numa sinuca de bico. Fazer jornalismo ou ganhar dinheiro com o jornalismo? Aliás, essa pergunta se aplica a muitos ofícios, mas a discussão, aqui, é sobre o rumo a ser tomado pela imprensa. Explorar o garoto que começa em troca de promoções, de folgas é covardia e uma burrice. Contratar o mais bonito, o que contesta menos, o que não dá trabalho: o que não pensa. O que não retruca. É como ouviu-se numa palestra outro dia: existe o funcionário-cachorro e há o funcionário-gato. O primeiro é o que agrada mais, o engraçado, fiel, que é comprado por um prato de comida, por um canto debaixo de qualquer teto (perdoem-me aqui o trocadilho), que apanha e abana o rabo. Que não contesta. Que não dá problema. Mas que obedece.



O segundo tipo de funcionário, o felino, é aquele que é arisco. Sobe rápido, mas só quando quer. Não é seduzido por comida, apesar de ter fome. É crítico, observador. Contesta, não é de obedecer nem acatar, mas tem vontade própria. Talvez por isso tenha sete vidas, porque é quem sofre as agruras de um velho lobo, mesmo sendo apenas um felino noturno em cima de um muro.

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