quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Os maquinistas estão chegando

Prosseguindo, senhores, percebo que estou no fim. Há certos momentos que devemos nos curvar aos fatos. E tal consternação chama-se constatação. O jornalismo segue o caminho de volta, retrocede ao que o deslegitimou. Matérias encomendadas justificam o balcão de negócios ao qual transformou-se meu jornal. Ouço durante as reuniões: “Você gosta de cobrir Cidade, não gosta? Então você vai fazer Saúde. E você aí, rapaz? Educação? Então, Política.” E assim desenrola-se o calvário que é trabalhar para quem não pensa. Ou de quem pensa para quem não trabalha. Enfurnar-se dentro de salas recém-erguidas (onde o ego é maior que o espaço físico) é praxe entre os diretores do jornal. Gargalhadas sublinhadas pelos contra-cheques gordos, política do terror psicológico, reportagens que são releases eletrônicos. Chapa branca, quem dera, as chamo de chapa transparente, somos retrocesso intelectual.


Quisera eu ser ignorante, porque seria, no mínimo, menos infeliz. Desconhecer o mal invisível. Não suspeitar de presságios, acomodar-me em cumprir tarefas, transformadas em objetivos de vida. Lustrar os sapatos dos magnatas com a língua. Negociar-me por menos do que sou – e do que gostaria de ser. Sou tolido profissionalmente, ao passo me prometem horizontes de cristal, fora os vis metais que me corrompem o bom senso. Não me reconheço mais e tudo que planejei escoa água abaixo pela latrina do fracasso. É, eu perdi, mas pior que o mau perdedor é quem vence sem merecer.


Sei que tenho sido redundantemente revoltado, mas é coisa de italiano, reclamar e falar alto, mesmo quando escrevo. Esclareço que, à oportunidade que me foi dada quando garoto, fiz das reles chances de progredir na profissão a motivação mais que necessária para praticar o ofício impresso. Surgi ainda empacotando periódicos nas ruas do centro do Rio, poucas horas antes de amanhecer o dia, e o dia, ao amanhecer, sempre me afagava os olhos cansados das letras miúdas, que lia sentado no chão da Praça Mauá. Eu enfileirava os jornais velhos fingindo serem novos, para ter a leve sensação de que poderia ser dono das notícias, que era, nem que fosse de forma clandestina, o proprietário das informações. O tempo me pertencia quando me cobria com as folhas velhas dos jornais de ontem e dos outros ontens. Para que os amanhãs chegassem logo.


Mas hoje faço o inverso. Empilho jornais novos fingindo serem velhos, faço um trabalho que não é o meu, escrevo palavras que não mais serão minhas, porque não foram nunca, porque não serão sempre. Acato ordens sem pestanejar, mas meus olhos se inundam de uma cólera surda, de um sofrimento pontiagudo, que me ofusca as tintas das palavras, que me encerram os sonhos de garoto, quando saía de casa e corria junto aos trens pensando que os vagões eram pessoas, pensando que o destino eram estações. Não sei quantas locomotivas sou, mas palavras, meus trilhos: jornais tornaram-se máquinas de informação. Nós? Café com pão, café com pão, vixe Maria, o que foi isso, maquinista?

Um comentário:

  1. É tudo a mesma coisa, rapaz... Jornalista, jornaleiro. Só que a agora os dois vendem jornal com o mesmo objetivo: fazer dinheiro. É do caralho essa porra!

    ResponderExcluir